domingo, 21 de fevereiro de 2016

Rio de Lagrimas (1972)

Rio de Lagrimas

(Letra: Lourival dos Santos/ Música: Tião Carreiro e Piraci / Interpretes: Tião Carreiro & Pardinho)




“O Riiio de Piraaacicaba, vai jôogar agua pra fora...”

Quem nunca ouviu este refrão? Quando eu era criança, pensava que a música se chamava “O Rio de Piracicaba”.

Rio de Lágrimas (o nome correto da música) é considerada um hino não oficial da cidade de Piracicaba. Devido ao sucesso da canção, Tião Carreiro recebeu o título de cidadão Piracicabano, concedido pela Câmara de Vereadores da cidade.

Tião Carreiro
Tião Carreiro (nome artístico de José Dias Nunes) & Pardinho (nome artístico de Antônio Henrique de Lima) se conheceram em 1954, na cidade de Pirajuí-SP (município a cerca de 400km da capital paulista), na época em que o circo que Pardinho trabalhava, passou pela cidade.

Nesta época, Tião Carreiro era conhecido como Zé Mineiro. O nome foi mudado, porque quando chegou à São Paulo, já havia um artista com o mesmo nome. A escolha do nome foi feita por Teddy Vieira, quando a dupla foi contratada pela gravadora Columbia. 

O nome de Pardinho, foi inspirada na canção Ferreirinha. A cidade de Pardinho (município a cerca de 250km da capital paulista), é o local citado na música, onde a história da canção se passa. Como a dupla cantava muita esta moda de viola na época, Tião Carreiro sugeriu o nome.

Pardinho
Apesar do nome, Pardinho nasceu em São Carlos (município a cerca de 240km da capital paulista) em 1932 e faleceu em 2001, aos 69 anos na cidade de Sorocaba. 

Aos 17 anos “seguiu” um circo, onde trabalhou por três anos, até conhecer Tião Carreiro.

A gravação do primeiro disco da dupla foi em 1956.

Nos discos da dupla, a característica principal na escolha do repertório era preparar um lado com músicas românticas e outro com cateretês e pagodes.

Os familiares e amigos diziam que a dupla divergia muito e sempre estavam brigados, porém quando subiam no palco, a combinação era perfeita.

Sobre os Compositores

Lourival dos Santos é considerado um dos maiores compositores da música sertaneja. Segundo especialistas, ele está no mesmo nível de Teddy Vieira (compositor da música Menino da Porteira), José Fortuna (compositor da música Índia), Raul Torres e João Pacifico (compositores da música Cabocla Tereza). Grandes compositores, que tiveram suas histórias já contadas aqui no Baú da Música Sertaneja.

Lourival dos Santos
Ele nasceu em 1917, na cidade de Guaratinguetá (município à cerca de 180km da capital paulista). 

Compôs mais de 1000 canções, muitas delas em parceira com seu amigo Tião Carreiro. Entre elas estão: Pagode em Brasília (em parceria com Teddy Vieira), A coisa tá feia (em parceria com Tião Carreiro), Nove e Nove (em parceria com Teddy Vieira e Tião Carreiro) e A Vaca foi pro brejo (em parceria com Tião Carreiro).

Semialfabetizado, Lourival tinha dificuldades para escrever, então ele compunha de “cabeça” e ditava a letra para sua esposa, que transcrevia para o papel.

Sua primeira música gravada foi a canção Peão Mineiro, pela dupla Lambari (nome artístico de Jesus Luiz Penha) & Laranjinha (nome artístico de João Falacci) em 1942.

Lourival dos Santos faleceu em 1997, aos 80 anos, na cidade de Guarulhos-SP.

Tião Carreiro, nasceu em 1934, na cidade de Montes Claros-MG (município à cerca de 400km da capital Belo Horizonte).

Aos 10 anos se mudou para a cidade de Araçatuba-SP (município à cerca de 500km da capital paulista) e aos 15 anos começou a cantar profissionalmente.

Em 1959, criou um novo ritmo chamado de Pagode Sertanejo. O nome foi dado pelo amigo e parceiro de composições Lourival dos Santos, devido a forma como Tião Carreira “ponteava” a viola, criando um ritmo mais alegre. Segundo os autores, Pagode é como as pessoas que vivem no interior de Minhas Gerais chamavam os “bailes de roça”.

O primeiro pagode foi gravado em 1960, na canção Pagode em Brasilia (composição Lourival dos Santos e Teddy Vieira), em homenagem ao então Presidente de República Juscelino Kubitschek, que inaugurava naquele ano a nova capital do país. Uma curiosidade sobre a música, é a participação de Tião Carreiro na composição da melodia, que a pedido do artista foi excluída do registro do disco. Quando a música fez sucesso, Tião Carreiro teria se arrependido da decisão.

Com seu estilo próprio de tocar viola caipira, é o principal responsável pelo resgate do uso do instrumento e por influenciar diversos músicos a tocá-la. Entre eles Almir Sater.

Tião Carreiro faleceu em 1993, em São Paulo, devido a complicações nos rins, causada pela Diabetes, doença que o artista não sabia que possuía.

Sobre a Música

Além de citar a história do Rio, a música fala de um amor não correspondido. O autor da letra menciona em entrevista, que a musa inspiradora da música é Ana Maria de Andrade Franco, irmã da dupla Craveiro & Cravinho e tia da dupla Cezar e Paulinho.

Segundo Ana Maria, nunca houve um relacionamento entre os dois e o que pode ter ocorrido é um amor platônico por parte do autor. Na época em que a música foi composta, Lourival frequentava a casa de Ana Maria e conhecia sua família.

Quando fez a letra da música, Lourival dos Santos solicitou à Jacó & Jacozinho para colocar a melodia. Eles fizeram a melodia baseado num ritmo chamado de Rasqueado (exemplos de músicas neste ritmo: Trem do Pantanal interpretada por Almir Sater e Fazenda São Francisco, interpretada por João Paulo & Daniel), porém dupla não se identificava com a letra.

Jacó e Jacozinho

Tião Carreiro questionou Lourival se ele tinha a intenção de gravar a música da forma que foi musicada, porque ambos divergiam de como a melodia foi feita. Recebendo a negativa do amigo, Tião pediu a Lourival para fazer uma nova.

Inicialmente, Tião pediu a Serrinha (nome artístico de Antenor Serra, compositor da música Chitãozinho e Xororó), para fazer a melodia, porém não gostou do resultado. Pediu ao compositor Piraci (nome artístico de Miguel Lopes Rodrigues), para fazer uma segunda versão, mas também não ficou do seu agrado. Então, decidiu ele mesmo fazer a composição. 

A composição foi realizada em 1970, porém só foi gravada em 1972, no disco A Força da Paixão, pela gravadora Chanteclair.

Capa do disco A Força do Perdão

A música possui mais de 100 regravações e em 2015, para comemorar os 45 anos de composição, o site de notícias G1 (pertencente a Rede Globo), pediu que músicos da cidade de Piracicaba, produzissem releituras da canção em diferentes estilos musicais: Rock, Rap, Jazz e MPB. O resultado você pode ver clicando aqui.

O que você achou desta história? Comente, complemente a história com mais informações ou simplesmente sugira novos temas. Gostaria de saber a sua opinião.

Fontes:


  • Wikipedia: Wikipedia.org;
  • G1 – Reportagem sobre os 45 anos de composição da música: g1.globo.com;
  • Programa Viola Minha Viola - Apresentação de Tião Carreiro e Almir Sater – Tv Cultura;
  • Programa Brasil Rural – Tv Bandeirantes;
  • EPTV – Reportagem sobre a história de Tião Carreiro: Rede Globo;
  • Artigo:  22 anos sem o Rei do Pagode Sertanejo, Tião Carreiro – Hits 87FM: http://fmhits.com.br;
  • Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira: http://www.dicionariompb.com.br;
  • Blog Recanto Caipira – Artigo sobre Lourival dos Santos: http://www.recantocaipira.com.br.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

No Rancho Fundo (1989)

No Rancho Fundo

(Letra: Lamartine Babo / Música: Ary Barroso / Interpretes: Chitãozinho & Xororó)



A história que contarei desta vez é a redescoberta de um grande clássico da MPB (Música Popular Brasileira), apresentada às novas gerações por vozes da nossa música sertaneja: Chitãozinho e Xororó.

A música fez parte da trilha sonora da novela Tieta, produzida pela Rede Globo e veiculada com grande audiência entre agosto de 1989 e março de 1990. A história é baseada no livro de Jorge Amado, chamado Tieta do Agreste.


O convite para a regravação da música No Rancho Fundo, veio por meio da equipe de produção da novela e foi a primeira trilha sonora gravada pela dupla. 

Chitãozinho e Xororó fizeram ajustes no arranjo para adequá-la ao gênero sertanejo, porque originalmente a música foi composta como um Samba-Canção.

A música foi gravada no álbum Tieta volume 1 e no álbum de 1989 da dupla, chamado “Os meninos do Brasil”.

A novela fez muito sucesso na época, fato esse que credenciou a dupla a participar com suas canções de outras trilhas sonoras de novela da emissora. Ao todo foram cerca de quinze participações.

Música
Novela
Ano
Emissora
No Rancho Fundo
Tieta
1989
Rede Globo
Nuvem de Lágrimas
Barriga de Aluguel
1990
Rede Globo
Brincar de Ser Feliz
Pedra sobre Pedra
1992
Rede Globo
Pensando em Minha Amada
Mulheres de Areia
1993
Rede Globo
Guadalupe
Guadalupe
1993
CNT/Gazeta
Coração Sertanejo
O Rei do Gado
1996
Rede Globo
Só quem amou demais
Viralata
1996
Rede Globo
Pura Emoção
Corpo Dourado
1998
Rede Globo
La maestá il Sabiá
Terra Nostra
1999
Rede Globo
Bailão de Peão
Estrela-Guia
2001
Rede Globo
Eu e o Sabiá
Esperança
2002
Rede Globo
É amor, é Paixão
Sinhá Moça
2006
Rede Globo
Sinônimos
A Favorita
2008
Rede Globo
Chuá-chuá
Paraiso
2009
Rede Globo
Minha Razão - Feat. Péricles
Avenida Brasil
2012
Rede Globo
Gota D'água
Corações Feridos
2012
SBT
No Rancho Fundo
Êta mundo bom
2016
Rede Globo

O álbum “Os meninos do Brasil” vendeu 1,5 milhão de cópias e inaugurou uma nova fase na carreira da dupla, que depois de dezenove anos trocou a gravadora Copacabana pela Polygram. Para a gravadora também foi um marco, porque foram os artistas de um gênero fora da MPB a venderem mais discos na Polygram em anos.

Capa do CD "Os Meninos do Brasil"

Além da música No Rancho Fundo, as canções Nascemos para Cantar (Composição: Chitãozinho, Danny Moore), Somos Assim (Composição: Paulinho Resende, Paulo Debétio), Brigas (Composição: Jair Amorim, Evaldo Gouveia) e Página Virada (Composição: Paulo Sérgio Valle, José Augusto), estiveram entre as mais executadas daquele ano.


Sobre os Compositores

Você que está lendo este artigo, talvez nem faça ideia de quem são Lamartine Babo e Ary Barroso. Uns dirão que são os compositores da música No Rancho Fundo

Quem o fez está correto, mas não é sobre isso que eu queria dizer. Na verdade, o objetivo é demonstrar que nossa música é tão rica, que independente do compositor a obra se perpetua. A música da qual conheceremos sua história tem mais de 80 anos e mesmo assim, sua melodia e letra continuam a tocar o coração das pessoas. E você sabe porquê? Porque as pessoas ainda se identificam com ela.

Mas independente da obra, eu gosto de citar os compositores, porque na maioria das vezes, em nossa vida atribulada, esquecemos de citar o que temos de bom. 

Muito do que estes dois artistas fizeram, se estendeu além dos limites do Brasil, alcançando outros países e “tocaram” também o coração dos “gringos”

Quer ver uma coisa? Você conhece a música Aquarela do Brasil? 

Veja um trecho da letra, abaixo:

(Letra e Música: Ary Barroso)

Brasil
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar
Ô Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil, Brasil
Pra mim, pra mim...


Pode ser que você não se lembre do ritmo, mas com certeza já leu ou ouviu estes versos pelo menos uma vez na vida. Esta canção é uma das composições mais famosas de Ary Barroso.

Aquarela do Brasil tem mais de 70 anos e já foi premiada diversas vezes. A música foi reconhecida pela Academia Brasileira de Letras como uma das composições “inquestionáveis do cancioneiro popular”.

Em 1942, Walt Disney incluiu a música como tema do personagem Zé Carioca, no filme Alô Amigos (título em português para Saludos Amigos), o que a tornou popular nos Estados Unidos. 

Cena do filme "Alô Amigos"

Foi com a música Aquarela do Brasil, que o Samba se tornou símbolo musical nacional.

Natural de Ubá-MG (cidade a cerca de 110 km de Juiz de Fora, localizado na zona da mata mineira), Ary Barroso foi criado pela avó, quando se tornou órfão aos sete anos. Começou na música como pianista, por influência de sua tia que tinha o desejo que ele tocasse em concertos.

Quando menino, tocava piano no cinema da sua cidade, fazendo o acompanhamento musical em filmes mudos.

Aos 18 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, para ingressar na faculdade de Direito. O dinheiro para os estudos veio de uma herança que recebeu de um tio. Neste período, ele foi seduzido pela boemia carioca e gastou toda o dinheiro que havia ganho. Então para se sustentar, tocava piano em cinemas e cabarés, numa época em que o teatro musical estava em ascensão.

Ary Barroso
A década de 1930, foi um período de grandes descobertas para Ary Barroso, pois além de compor diversas canções de sucesso, descobriu sua vocação para comandar programas de calouros no rádio (algo que faria mais tarde também na televisão). Neste período, tornou-se também locutor esportivo e revolucionou a forma de narrar futebol. Ao invés de gritar gol, ele soprava uma “gaitinha” para marcar que o gol havia saído, porque a qualidade do áudio no rádio era muito precária, na época.

Nos anos 40, visitou os Estados Unidos, para musicar o filme de Walt Disney, Você Já foi à Bahia? (Título em português para The Three Caballeros).

Cena do Filme "Você já foi à Bahia?"

Nos anos 50, ficou muito conhecido pelos programas de calouros. Um artista que participasse do programa e passasse pelo crivo do Ary, tinha muitas chances de se tornar sucesso na carreira artística. Entre os artistas que despontaram depois de passar pelo programa estão Dolores Duran, Elza Soares e Elizeth Cardoso. 

Ary Barroso ao lado do famoso Gongo que arrepiava os candidatos

Ao todo, Ary Barroso compôs mais de 260 canções.

Ary Barroso faleceu no Rio de Janeiro, em 1964 aos 60 anos, vítima de cirrose hepática.

Veja agora, um trecho destas duas músicas:

(Letra: João Valença, Raul Valença e Lamartine Babo / Música: João e Raul Valença)

O teu cabelo não nega mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata
Mulata eu quero o teu amor...


(Letra e Música: Lamartine Babo)

Uma vez Flamengo
Sempre Flamengo
Flamengo sempre eu hei de ser
É o meu maior prazer
Vê-lo brilhar
Seja na terra
Seja no mar
Vencer, vencer, vencer
Uma vez Flamengo
Flamengo até morrer...

São músicas compostas por Lamartine Babo, o autor da letra da música No Rancho Fundo.

Contam os especialistas que a história do carnaval pode ser dividida entre antes e depois de Lamartine Babo. Por ser uma pessoa muito irreverente, foi convidado para compor marchinhas de carnaval para blocos carnavalescos. A coisa deu tão certo que algumas delas são executadas até hoje em bailes de carnaval. Um exemplo disso é a música O teu cabelo não nega, citado acima. Apenas como curiosidade, vale a pena citar um fato ocorrido durante a composição da marchinha.

Os irmãos pernambucanos João e Raul Valença, autores de frevos e maracatus, enviaram a gravadora RCA Victor no Rio de Janeiro, a partitura de uma composição chamada Mulata.

A gravadora pediu a Lamartine Babo, que ajustasse a música ao gosto carioca. O compositor fez alguns ajustes na letra, mas manteve o refrão. Nomeou a música com o título O teu cabelo não nega. Em 1932 a RCA Victor lançou o disco com a música, indicando como compositor Lamartine Babo (letra e música).

Os irmãos Valença entraram com ação Judicial contra a gravadora e venceram. A RCA Victor foi obrigada a pagar indenização e metade da arrecadação com direitos autorais aos artistas, além de fazer constar em lançamentos posteriores seus nomes como compositores da música. Devido as mudanças na letra, os irmãos concordaram em manter Lamartine Babo como coautor da música. 

Para minha surpresa, ao estudar sobre as músicas compostas por Lamartine Babo, me deparei com uma canção que foi classificada como marcha carnavalesca, mas que está presente em muitas festas juninas e discos sobre o tema, a canção: Isto é lá com Santo Antônio.

(Letra e música: Lamartine Babo)

Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio.
São João disse que não!
São João disse que não!
Isto é lá com Santo Antônio!

Lamartine Babo
Nascido na cidade do Rio de Janeiro, Lamartine Babo era apaixonado por futebol e compôs os hinos alternativos (não oficiais) dos principais clubes cariocas: Fluminense, Botafogo, Vasco da Gama, Flamengo e do seu time de coração, o América. Isto porque em 1949, o radialista Heber Boscoli, apresentador do programa Trem da Alegria na Rádio Nacional, desafiou o colega de bancada (sim, 

Lamartine Babo dividia a apresentação do programa com Heber), a compor um hino por semana, para os 11 times de futebol que competiriam no campeonato carioca daquele ano e assim foi feito. Além dos clubes citados acima receberam homenagens do grande compositor os clubes: Bangu, São Cristóvão, Madureira, Olaria, Bonsucesso e Canto do Rio. 
Lamartine Babo foi um dos principais comunicadores e compositores entre os anos de 1940 e 1950. Era figura tão importante no cenário artístico nacional, que chegou a ser recebido pelo presidente Getúlio Vargas em 1951. Faleceu no Rio de Janeiro em 1963 aos 59 anos, vítima de um infarto.

Sobre a Música

Em junho de 1931, estreava a peça de teatro de revista “É do Balacobaco”, escrita por Marques Porto e Vitor Pujol. Fazia parte da trilha musical, uma canção com letra do ilustrador J. Carlos (nome artístico de José Carlos de Brito e Cunha) e música de Ary Barroso, chamada Na Grota Funda

Na Grota Funda

(Letra: J. Carlos / Música: Ary Barroso)

Na grota funda
na virada da montanha
só se conta uma façanha
do mulato da Raimunda
Matar a nega
c'um pedaço de canela
e depois sem mais aquela
foi juntá c’uma galega.

Ficou a cargo de Silvio Caldas (um dos grandes cantores brasileiros) a fazer a interpretação da música, num dos esquetes da peça (quadro de pequena duração com cerca de 10 minutos).

Lamartine Babo foi assistir à peça logo na estreia e se encantou com a melodia da música, mas não gostou da letra e se propôs a escrever uma nova. Então, ele escreveu a letra e apresentou a canção num programa de enorme sucesso na Rádio Educadora, chamado de “Casa do Disco”. Naquele mesmo ano, com interpretação de Elisa Coelho a música foi gravada em disco pela RCA Victor. Segundo palavras de Ary Barroso, nascia ali a música No Rancho Fundo e morria a canção Na Grota Funda.

Segundo o Jornalista e pesquisador João Máximo, Lamartine Babo teria pedido à Ary Barroso “permissão” para fazer novos versos para a melodia e Ary teria concordado, sem imaginar que J. Carlos (o letrista original) ficaria zangado.

O fato é que Ary Barroso diz em seu texto intitulado Minha Luta, que só foi saber da mudança, depois que a música fez sucesso. Neste mesmo texto, Ary diz que J. Carlos ficou furioso e teria chamado de traição a atitude do colega.

Desde sua primeira gravação em 1931, a canção No Rancho Fundo já foi regravada mais de 15 vezes, tendo sido interpretadas por diversos cantores e cantoras, tanto da MPB, quanto da música sertaneja.

No fim das contas, para as novas gerações, a versão da canção No Rancho Fundo que ficou, foi a de Chitãozinho e Xororó.


Fontes:

  • Wikipedia: Wikipedia.org;
  • Blog Eternas músicas: www.eternasmusicas.com;
  • Portal Luis Nassif – Construindo conhecimento: http://blogIn.ning.com;
  • Portal Vagalume: www.vagalume.com.br;
  • Site e-Biografias - http://www.e-biografias.net;
  • Portal Brasil – Seção Cultura: http://www.brasil.gov.br/cultura;
  • Programa Viola Minha Viola de 15/05/2011 – Tv Cultura;
  • Blog Trilha da Novela: http://trilhadanovela.blogspot.com.br;
  • Site do Globo Esporte: http://globoesporte.globo.com;
  • Artigo sobre Ary Barroso na seção Todas as Vozes do site EBC Rádios - http://radios.ebc.com.br;
  • Texto: Minha Luta, escrita por Ary Barroso - http://arybarroso.com.br.


domingo, 22 de novembro de 2015

Índia (1952)

Índia

(Letra: Manuel Ortiz Guerrero / Música: José Asunción Flores – Versão em Português: José Fortuna / Interpretes: Cascatinha & Inhana)



A história que contaremos aqui vai muito além de informações sobre uma das músicas mais conhecidas no Brasil e no mundo, apresenta três fatos que mudaram o cenário da música sertaneja: Popularizou o gênero musical Guarânia, apresentou ao Brasil uma das duplas mais carismáticas e afinadas do país, Cascatinha & Inhana e deu projeção ao trabalho de um dos maiores (senão o maior) compositor de música sertaneja brasileiro: José Fortuna.

Manuel Ortiz Guerrero
A música Índia escrita por José Fortuna, é a versão brasileira de um sucesso paraguaio, composto originalmente pelo músico José Asunción Flores e o poeta Manuel Ortiz Guerrero, ambos paraguaios.

A canção original fez tanto sucesso, que em 1944, por meio de um decreto do governo, foi oficializada como “Canção Nacional”, uma espécie de hino, que a faz ser reconhecida como parte da cultura popular paraguaia.

Aliás, esta canção foi composta utilizando um gênero muito popular no Paraguai, chamado de Guarânia.



Guarânia, a música que conta a história de um povo
Guarânia é um gênero musical paraguaio, criado por José Asunción Flores, quando realizava experimentações para um arranjo da polca Ma'erápa Reikuaase. Consiste no uso de ritmos e melodias lentas em tons melancólicos. Tem como objetivo, expressar por meio da música o sentimento do povo paraguaio.

José Asunción Flores
As canções deste gênero são tão apreciadas pelas classes mais populares, que são reconhecidas como parte do folclore musical paraguaio.

Acredita-se que o ritmo da Guarânia chegou ao Brasil, por influência dos próprios paraguaios, durante o período conhecido como Ciclo da Erva Mate, período quando o Paraguai (principal produtor), proibiu a exportação do produto para fora do país e o Brasil viu a oportunidade de cultivar a erva e exportar para países vizinhos. 

Neste período, muitos paraguaios se estabeleceram na região de Mato Grosso do Sul em busca de trabalho, devido à proximidade com a fronteira dos dois países.

A Guarânia tornou-se parte da música brasileira, graças ao trabalho de pesquisa realizado pelos compositores Raul Torres, Ariovaldo Pires, Mario Zan e Nhô Pai, que faziam sucessivas viagens ao Paraguai e simpatizavam com o gênero musical. 

Raul Torres é o compositor de uma das Guarânias de maior sucesso no Brasil, a canção “Colcha de Retalhos”, que também foi gravada por Cascatinha & Inhana (conheça mais sobre a história de Raul Torres, lendo sobre a história de outro grande clássico do compositor, “Cabocla Tereza”).

A partir da década de 1940, a Guarânia tornou-se um dos gêneros musicais mais utilizado pelos compositores de música sertaneja no Brasil, como base para suas composições. Mas foi somente nos anos 70 e 80, com o sucesso de Milionário e José Rico, que o gênero se consolidou, pois, a maioria das músicas cantadas pela dupla faziam uso do ritmo.

Além de Milionário e José Rico, durante os anos 80 diversas duplas cantaram Guarânias: Chitãozinho e Xororó, Teodoro & Sampaio, João Mineiro e Marciano e o Trio Parada Dura.

Nos anos 90 e no início dos anos 2000 o gênero foi praticamente abandonado e foi somente no início da década de 2010, que as duplas sertanejas voltaram a incluí-las em seus repertórios, porém muito timidamente. Neste período destacam-se a dupla Victor & Leo que gravou a música “Sem Você” (composição de Victor Chaves) em parceria com a cantora Paula Fernandes, seguido das novas duplas que surgiram desde então como Zé Henrique & Gabriel (música: Peito de Aço), Fred & Gustavo (música: Sem Você Aqui), Israel & Rodolfo (música: Marca Evidente). 

As Guarânias mais populares no Brasil são:

  • Pra não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré;
  • Índia - Cascatinha & Inhana;
  • Colcha de Retalhos – Cascatinha & Inhana;
  • Fio de cabelo - Chitãozinho & Xororó;
  • Galopeira – Donizetti;
  • Nuvem de lágrimas - Fafá de Belém;
  • Cabecinha no ombro - Almir Sater;
  • Meu primeiro amor – Perla;
  • Telefone mudo - Trio Parada Dura;
  • Dama de vermelho - Trio Parada Dura;
  • Entre outras.

José Fortuna, um compositor “antenado” com seu tempo.

Quando José Fortuna fez a versão de Índia, a música sertaneja passava por transformações nos ritmos utilizados. Os compositores, no desejo de ter sua obra lançada e reconhecida, eram influenciados e faziam uso de padrões musicais populares da época em suas composições. É fato que quando um determinado estilo musical se destaca, surgem diversos artistas que tentam “surfar a onda” e quando se destacam, posteriormente, imprimem seu próprio estilo.

José Fortuna
Mas José Fortuna não compôs somente Guarânias, ele possuía muita versatilidade na aplicação de diversos ritmos musicais às suas obras, tais como: Marchas, Rancheiras, Tangos, Maxixes, Sambas-Canção, Corridos, Fox, Valsas e Arrasta-Pés.

O tema principal de suas canções foi a vida rural. Nascido em Itápolis (cidade do estado de São Paulo, localizado a cerca de 370km da capital), José Fortuna começou a escrever seus primeiros versos ainda criança, no chão de terra com um pedaço de madeira, quando acompanhava seu pai em suas andanças pela lavoura.

Teve sua primeira música gravada em 1944, a canção “Moda das Flores”, pela dupla Raul Torres e Florêncio.

Além de compositor, José Fortuna foi ator, autor teatral e cantor. Em 1947, formou dupla com seu irmão Euclides Fortuna, utilizando como nome artístico Zé Fortuna & Pitangueira e se mudaram para a capital paulista.

Entre 1948 e 1973, José Fortuna, Pitangueira e mais um acordeonista (que foram se alternando ao longo do tempo), formaram um trio, Os Maracanãs.

Participaram de inúmeros programas de rádio em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os maiores sucessos do trio foram o cateretê “O selo de Sangue” (1956) e a valsa “Lenda da valsa dos noivos”, ambos compostas por Zé Fortuna & Pitangueira.

Fizeram parte do trio os acordeonistas: Coqueirinho (1948-1953), Rosinha (1953-1959) e Zé do Fole (1959-1973).

O trio gravou cerca de 40 LPs e diversos discos de 78 rotações, sendo a maioria das músicas composição dos irmãos Fortuna.

As músicas de José Fortuna faziam sucesso tanto na capital, quanto no interior paulista. Suas canções eram apreciadas por diversos músicos regionais, em especial Francisco da Silva, o Cascatinha.

Os Sabiás do Sertão: Cascatinha & Inhana

Nascido em Araraquara (cidade do interior do estado de São Paulo, localizada a cerca de 300Km da capital), Francisco da Silva, aos 10 anos, mudou-se com toda a família para Marilia (município do interior paulista, que fica a cerca de 240km de Araraquara). Foi nessa época que recebeu o apelido de Cascatinha, porque no intervalo entre as aulas, ele costumava fugir da escola para tomar banho numa queda d’água próxima, que chamavam de Cascatinha.

Quando jovem, depois uma passagem pela profissão de servente de pedreiro, foi admitido por uma banda local como percussionista. Como tinha ouvido apurado para a música, assobiava os sucessos que ouvia na rádio, para que o mestre da banda escrevesse a partitura das músicas.

Cascatinha aprendeu a tocar violão e bateria. Algum tempo depois, ingressou num conjunto musical que se apresentava cantando modinhas e valsas românticas em bailes da cidade.

Em 1937, passou pela cidade de Marilia o Circo Nova Iorque. Nesta época, o circo era o principal meio para a apresentação de artistas. Foi numa destas apresentações que Cascatinha conheceu o cantor Chopp (apelido de Natalício Firmino) e assim, com 18 anos decidiu seguir o circo, sendo admitido como baterista.

A medida que participava das apresentações, Cascatinha foi ganhando confiança e revelando suas qualidades como interprete. Nesta época, decidiu fazer dupla com o cantor Chopp iniciando assim a parceria Chopp & Cascatinha. Aliás, por coincidência, havia na região uma cerveja muito conhecida chamada de Cascatinha, desta forma o nome da dupla passou também a ser uma referência.

Em 1941, o circo Nova Iorque passou pela cidade de Araras (município do interior do Estado de São Paulo, localizada a cerca de 350km de Marilia). Lá, Cascatinha conheceu Ana Eufrosina da Silva, cantora da Jazz-Band de Araras, grupo musical formado por Ana e seus irmãos: Maria das Dores, José do Patrocínio e Luiz Gonzaga.

Foi amor à primeira vista, Ana desfez um noivado de mais de um ano e contra a vontade dos pais “fugiu” com Cascatinha. Do namoro para o casamento levou apenas cinco meses e durou 40 anos.

Cascatinha e Inhana
Em 1942, Cascatinha, Ana e Chopp deixaram o circo Nova Iorque e foram para o Rio de Janeiro, onde formaram um trio chamado de Trio Esmeralda. Cantavam em circos por todo o estado e em programas de calouros, apresentados por Paulo Gracindo e Ary Barroso. Sobreviviam dos prêmios em dinheiro que ganhavam nestes programas e dos caches recebidos nas apresentações realizadas nos circos.

Meses depois o Trio se desfez, após um desentendimento entre Cascatinha e Chopp. Naquele momento Cascatinha e Ana decidiram ser apenas uma dupla. Criaram o apelido Inhana, uma corruptela de Sinhá (palavra que caracterizava um meio respeitoso de se dirigir às senhoras), com a união do nome de Ana, que significa Nhá Ana ou Senhora Ana, apelido muito utilizado no interior, para pessoas que se chamam Ana.

No interior do Estado do Rio de Janeiro, foram contratados pelo circo Estrela Dalva. Fizeram excursões por todo o Brasil.

Em 1948, cansado de tantas andanças, se mudaram para São Paulo. Neste período foram contratados pela Rádio América e posteriormente, em 1950, se transferiram para a Rádio Record, onde permaneceram por 12 anos.

Em 1951, substituíram Raul Torres num show da cidade de Jundiaí (devido à problemas de saúde). O combinado era cantarem apenas uma música, “Ave-Maria no Morro” (composição de Herivelto Martins, gravada em 1942), mas foram tão aplaudidos que saíram somente depois de cantar mais meia dúzia de músicas. 

Sabendo do sucesso do show, Raul Torres convidou Inhana para participar do acompanhamento vocal na gravação de seu disco gravado naquele ano, pela gravadora Todamérica.

Inclusive, auxiliados por Raul Torres, Cascatinha e Inhana gravaram seu primeiro disco em 1951 pela mesma gravadora. O disco era um “78 rotações” que continha as músicas “La paloma” (composição de Iradier e Pedro Almeida) e “Fronteiriça” (composição de José Fortuna).  Aliás, vale ressaltar que José Fortuna era um dos compositores preferidos de Cascatinha.

Na gravação do seu segundo disco, escolheram para o repertório as canções Índia e "Meu Primeiro Amor", ambas versões de músicas populares em seus idiomas originais. Há um fato curioso nesta história, pois o disco com as músicas demorou a sair, porque o Diretor artístico da gravadora, Hernani Dantas não acreditava que uma versão em Português da música fosse fazer sucesso, porque a versão original em espanhol era conhecida demais.



Porém o tempo viria mostrar que Hernani estava enganado e em seu primeiro ano de divulgação, o disco vendeu cerca de 300 mil cópias, um número alto, se considerar que naquela época, a população não possuía tantos aparelhos fonográficos. Desde de seu lançamento até meados dos anos 90, a gravação vendeu mais de 3 milhões de discos.

A dupla foi muito premiada ao longo dos anos 50, receberam diversas condecorações:
  • Três troféus Roquette Pinto (Premiação concedido pela AFEU- Associação Dos Funcionários das Emissoras Unidas - rádios Bandeirantes, Record Pan-Americana e São Paulo);
  • Medalha de ouro da revista “Equipe”, onde foram apelidados de “Os Sabiás do Sertão”, devido aos seus recursos vocais e as nuances que desenvolviam na interpretação das músicas.
  • Disco de ouro pela vendagem de mais de 100.000 cópias.
Em 1959 gravaram outro de seus grandes sucessos, a música “Colcha de Retalhos” (Guarania composta por Raul Torres). Neste mesmo ano, Cascatinha foi promovido à Diretor Artístico da gravadora Todamérica, onde descobriu e lançou duplas famosas como Nonô & Naná e Zilo & Zalo.

Em toda a carreira, a dupla lançou 34 discos 78 rotações e cerca de 30 LPs. Entre seus grandes sucessos, destacam-se as canções: Índia, "Meu Primeiro Amor", Solidão, Anahi, Guarcyra, "Quero Beijar-te as mãos", "O menino e o circo", "Flor do Cafezal", "Chuá Chuá", "Colcha de Retalhos" e "Serra da boa esperança".

Permaneceram ativos e gravando regularmente até a morte de Inhana em junho de 1981, vítima de um mal súbito, quando se preparava para as comemorações de 40 anos de seu casamento com Cascatinha.

Cascatinha continuou a carreira de cantor, se apresentando sozinho em cidades do interior de São Paulo. Faleceu em 1996, vítima de cirrose hepática.

O legado de José Fortuna

Em 40 anos de carreira, José Fortuna compôs e gravou cerca de 2000 músicas. É o autor brasileiro com o maior número de músicas gravadas.

Além de Cascatinha & Inhana, suas músicas foram grandes sucessos nas vozes de inúmeros interpretes. Entre elas estão: "Berrante de Ouro" (Duduca e Dalvan – Ano:1980), "O Vai e Vem do Carreiro" (Carlos Cezar e Cristiano – Ano:1981), "Cheiro de Relva" (Dino Franco & Mourai – Ano:1983), "O Ipê e o Prisioneiro" (Liu e Leo – Ano:1983), "Terra Tombada" (Chitãozinho e Xororó – Ano:1986), entre outras.

A música Índia foi regravada inúmeras vezes, não só por cantores sertanejos, mas também por inúmeros interpretes da MPB, como Agnaldo Timóteo, Ângela Maria, Nara Leão, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. Em 2006, a música Índia foi regravada por Roberto Carlos como tema do personagem Serena, interpretado por Priscila Fantin, na novela Alma Gêmea, escrita por Walcyr Carrasco.

José Fortuna faleceu em novembro de 1983, vítima de doença de chagas. 


Fontes:


  • www.wikipedia.org
  • http://blognejo.com.br/
  • http://www.josefortuna.com.br/
  • http://www.recantocaipira.com.br/
  • Site: Saudade-Da-Minha-Terra - http://saudade.netlivre.org/
  • Site: http://www.recantocaipira.com.br/
  • Site: maps.google.com
  • Site: museudatv.com.br
  • Site: http://www.boamusicaricardinho.com – Seção Compositores e Poetas da música caipira de raiz
  • Entrevista: Cascatinha & Inhana – Programa Viola minha Viola – Jul/1980
  • Programa Dois Diretores em Cena – Rádio Jovem Pan – Fev/2012
  • Trabalho de Dissertação. Entre modas e Guarânia: A produção musical de José Fortuna e seu tempo (1950-1980) – Jaqueline Souza Gutemberg – Uberlandia – 2013.