MENINO DA PORTEIRA
(Letra: Teddy Vieira / Música: Luizinho / Interprete: Sérgio Reis)
Originalmente, a música “Menino da Porteira” foi gravada em 1955, pelo trio Luizinho, Limeira e Zezinha. Mas o objetivo deste texto é apresentar o que uma música bem-feita, com uma estória consistente pode fazer na vida de um compositor e um cantor.
O artigo de hoje conta a história da regravação de um clássico, que dezoito anos depois de sua primeira gravação, causou um impacto enorme na carreira de dois grandes artistas brasileiros, o compositor Teddy Vieira e o cantor Sérgio Reis.
Quem foi Teddy Vieira?
Teddy Vieira nasceu em 1922 na cidade de Itapetininga (região de Sorocaba) no interior do estado de São Paulo.
Teddy Vieira |
De família de padrão social razoável, estudou o primário em sua cidade natal e seguiu para São Paulo para concluir seus estudos. Se formou em administração e chegou a ocupar o cargo de Diretor de Finanças da Prefeitura de São Paulo, equivalente ao atual Secretário da Fazenda, que é responsável pelas finanças do município.
Teddy Vieira de Azevedo se tornou compositor por acaso, pois era totalmente autodidata em se tratando de conhecimento musical.
Começou a escrever seus versos caipiras aos 18 anos e aos 23 anos teve suas duas primeiras canções gravadas, “Preto de alma Branca” e “João-de-Barro”.
As letras das músicas de Teddy Vieira sempre tinham um fundo de moral, pois procurava transmitir a importância do trabalho e ensinamentos. Por meio de fábulas, retratava situações para fazerem as pessoas refletirem, com o objetivo de pregar bons exemplos.
Muito observador e apaixonado pelo universo rural, incluiu em suas canções os cenários tomados de rebanhos de gado, peões e outros personagens em canções antológicas.
Além da música “Menino da Porteira” que o consagrou como compositor, Teddy Vieira também compôs as músicas “A Caneta e a Enxada” (em parceria com Capitão Barduino e sucesso nas vozes de Zico e Zeca - 1956), “Boiadeiro Errante” (sucesso nas vozes de Liu e Leo – 1959), “Pagode em Brasília” (em parceria com Lourival dos Santos e sucesso nas vozes de Tião Carreiro e Pardinho - 1961), “Rei do Gado” (sucesso nas vozes de Tião Carreiro e Pardinho - 1961), e outras 300 músicas sobre o tema caipira.
Teddy Vieira |
Apesar de Teddy ter escrito muitas músicas em parceria, segundo os amigos mais próximos, ele teria cedido coautoria para ajudar um ou outro amigo.
Além de compositor, Teddy Vieira era um grande violeiro. O som de viola, na introdução da música “Menino da Porteira” gravada em 1955, foi tocada por ele.
Em meados dos anos 50 e início dos anos 60, Teddy Vieira foi Diretor do Departamento de Música Sertaneja nas gravadoras Columbia e RCA Victor. Neste período lançou grandes artistas, entre eles Tião Carreiro.
O menino da Porteira
A inspiração para a letra da música veio das viagens que Teddy fazia para Andradas, no sul de Minas Gerais, próximo à cidade de Ouro Fino. O objetivo era encontrar a então namorada América Rizzo, que viria se casar anos depois.
América Rizzo e Teddy Vieira |
O percurso era feito por estradas de terra e muito destes caminhos passavam por dentro de fazendas e sítios. Para cruzar entre uma propriedade e outra haviam portões de madeira chamados de “porteira”. Estas porteiras existem até hoje, porém atualmente são usadas somente para tráfego de animais. Porque nas estradas rurais, na divisa entre uma propriedade e outra foram colocados mata-burros, que facilitam o trânsito de veículos e pessoas, porém impede que os animais atravessem de uma propriedade para outra.
Foto de um Mata-Burro |
Numa dessas travessias, já incomodado pelo calor que fazia e pela necessidade de abrir e fechar porteiras, quando se aproximou de uma propriedade, Teddy observou que um menino vinha correndo em sua direção. O garoto abriu e fechou a porteira assim que ele passou. Agradecido, Teddy pegou uma moeda no bolso e lançou em direção à criança. O garoto agradeceu e continuou seus afazeres.
Teddy ficou pensando naquela cena e logo imaginou uma história, que poderia se transformar numa música. Diferente do que muitos pensam, com exceção do menino que abre a porteira, os fatos contados na música não são reais.
Johnny Johnson, do mundo para o Brasil
Houve uma época na história da música Brasileira, que para fazer sucesso, o cantor tinha que cantar em inglês e principalmente ter um nome artístico em inglês.
Diversos artistas que hoje são sucesso no Brasil passaram por esta situação. Entre eles, destacam-se Mark Davis (Fábio Junior), Don Elliot (O Ralf da dupla Christian e Ralf), Morris Albert (Maurício Alberto Kaisermann), cantor e compositor da balada romântica Fellings (gravada em 1975) e Johnny Johnson, nome artístico adotado por Sérgio Reis no início da carreira.
Sérgio Reis |
A mudança do nome de Sergio ocorreu em 1958, quando descoberto por Tony Campello (cantor, produtor musical e irmão da cantora Celly Campello, precursora do rock no Brasil, quando gravou em 1959 a versão em português da música “Estupido Cupido”), foi recomendado para uma entrevista na gravadora RCA Victor.
O executivo da gravadora, Diogo Mulero (o cantor Palmeira), não gostou do nome Johnny Johnson, e quis saber seu nome de batismo, porém ao ouvir do cantor o nome Sergio Bavini (herança do pai italiano), sugeriu que ele encontrasse um outro nome. Foi então que se lembrou do sobrenome da mãe, “Reis”. Que tal Sergio Reis? Disse o cantor. O executivo testou a sonoridade do nome e achou bom, mas antes, quis saber a opinião de outro executivo da gravadora que estava presente, Teddy Vieira, que concordou com o nome.
O estilo musical seguido por Sergio Reis no início da carreira era o romântico. Foi inspirado pelo pai e pelos tios que eram cantores de serestas e suas principais referências eram Carlos Galhardo, Orlando Silva e Nelson Gonçalves. Se apresentava em bares e boates.
Nos anos 60, se tornou ídolo do movimento da Jovem Guarda, quando gravou a música “Coração de Papel”, escrita por ele mesmo.
Sergio Reis também é compositor e entre os anos 60 e 70 compôs músicas para os cantores Deno e Dino, Os Vips, Golden Boys, Clara Nunes, entre outros.
Porém com o fim do programa Jovem Guarda, Sergio Reis desapareceu da mídia, não era mais convidado a participar de programas de televisão ou de rádio. Porém continuava fazendo seus shows.
Os primeiros passos cantando Música Sertaneja
Em 1972 Sérgio Reis gravou a música “Menino da Gaita” uma versão escrita por ele da música “El Chico D' El Armônica”, composta por Fernando Arbex.
Decidido a voltar à mídia, criou o áudio de uma propaganda de cerca de 15 segundos divulgando o novo disco e foi até o departamento comercial da rádio Tupi (uma das grandes emissoras de rádio da época) e com a ajuda da gravadora adquiriu um pacote de inserções em programas de sucessos da emissora. Em um mês, incentivado pela propaganda, a música se tornou um sucesso, pois era veiculado várias vezes ao dia, a pedido dos fãs.
Com o sucesso da música "Menino da Gaita", a procura por shows aumentou.
Uma destas contratações foi para se apresentar em um baile de debutantes em Tupaciguara-MG, cidade que fica a cerca de 70km de Uberlândia e terra natal da cantora Nalva Aguiar. Eram cerca de 2000 debutantes que viviam na própria Tupaciguara e em cidades da região.
Tony Campelo |
Ao término da sua apresentação, Sergio ficou ali nos bastidores, quando a banda contratada para o evento começou a tocar a música "Menino da Porteira". A comoção foi geral, todos os presentes cantavam junto e aplaudiam os músicos. Até então, Sergio não conhecia a música e ficou intrigado com a reação do público.
Chegando a São Paulo, Sérgio procurou seu produtor, Tony Campello e disse a ele que havia encontrado um sucesso para o novo disco. O cantor foi incentivado pelo produtor a tentar, porém estava inseguro, porque seria uma mudança de estilo, nunca havia gravado uma música sertaneja e até aquele momento era conhecido por ser um cantor romântico.
Sérgio Reis foi orientado por Tony a fazer como Wilson Simonal, um dos grandes “Showman” do Brasil, que teve o auge de seu sucesso nos anos 60. Ele cantava as músicas preparadas para o repertório do próximo disco em seus shows e depois decidia se gravava ou não, de acordo com a reação da plateia.
Wilson Simonal |
O local escolhido para a primeira apresentação da música foi a boate “Cafona” em Goiânia-GO (capital do estado), que apesar do nome, tinha grande prestigio na cidade e sempre contava com grandes números musicais. A apresentação foi um sucesso, as pessoas aplaudiam e pediam que repetisse.
Teste feito, Sérgio Reis gravou a música no disco que seria lançado em 1973. Começava ali a carreira de Sergio Reis como interprete de música sertaneja.
A repercussão foi tão grande que em pouco tempo tornou-se um grande sucesso. Nesta época músicas sertanejas não eram tocadas em rádios FM, porém em algumas cidades do interior era possível ouvir "Menino da Porteira" na voz de Sergio Reis.
Com o sucesso da música, em 1976, a história cantada se transformou em filme nas mãos do diretor de cinema Jeremias Moreira Filho. O próprio Sergio Reis foi convidado para ser protagonista, onde interpretou o peão de boiadeiro Diogo. Em 2009, foi produzido um remake do filme, dirigido pelo próprio Jeremias Moreira Filho, com o cantor Daniel no papel de Diogo.
Depois do Sucesso de Menino da Porteira, no disco seguinte, Sérgio gravou outro sucesso de Teddy Vieira, “João-de-Barro”, alcançando outro enorme sucesso.
Sérgio Reis |
Em 1975 se consolidou como cantor de músicas sertanejas, quando gravou o disco Saudade de Minha Terra, onde interpretou a música tema do disco (composição de Goiá) além dos clássicos como "Chico Mineiro" (composição de Tonico & Tinoco), "Chalana" (composição de Mario Zan), "Cavalo Preto" (composição de Anacleto Rosas Jr), entre outras.
O que aconteceu depois?
Teddy Vieira morreu em 1965, vítima de um trágico acidente automobilístico na Rodovia Raposo Tavares, na região de Sarapuí e não viveu para ver sua obra ser redescoberta pelo grande público.
Até o ano de gravação de Menino da Porteira, a obra de Teddy Vieira vivia um pouco esquecida, inclusive a família de Teddy (a esposa e filho) viveu um período de dificuldades financeiras.
A família de Teddy Vieira presenteou Sergio Reis com a viola que Teddy compôs a maioria de seus sucessos, em agradecimento por ter regravado suas músicas, pois foi com os recursos angariados com os direitos autorais que a viúva pode dar uma vida digna ao filho.
Em 2015, a prefeitura de Itapetininga ergueu uma estátua no centro da cidade, em homenagem ao compositor Teddy Vieira
Estátua em homenagem a Teddy Vieira - Itapetininga-SP |
Sergio Reis também se destacou como ator. Atuou em cinco telenovelas: Paraiso (1982 - Rede globo), Pantanal (1990 – Rede Manchete), A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990 – Rede Manchete), O Rei do Gado (1996 – Rede Globo) e Bicho do Mato (2006 – Rede Record), sempre representando figuras sertanejas.
Sergio Reis foi indicado a cinco prêmios Grammy Latino, na categoria Melhor Álbum de Música Sertaneja. Com três prêmios conquistados, é o maior vencedor nesta categoria.
Em 2014, Sergio Reis foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo, com 45.300 votos.
Sérgio Reis sendo diplomado como Deputado Federal |
Aos 75 anos, Sergio Reis continua firme na carreira, fazendo cerca de 16 shows por mês. Seu mais recente trabalho foi a gravação de um CD/DVD chamado Amizade Sincera, em parceria com seu amigo Renato Teixeira. Por este trabalho, foi premiado em 2015 com um Disco de Ouro, pela vendagem obtida.
Renato Teixeira e Sérgio Reis na gravação do DVD Amizade Sincera |
Fontes:
- Programa Prieto Jr – Entrevista com Sérgio Reis – Jan/2012;
- Menino da Porteira – Mai/2015;
- Programa Moda de Viola – Especial Teddy Vieira – TVE São Carlos – Jun/2015;
- Wikipedia.org.br;
- G1 – Matéria: Autor de 'O Menino da Porteira' ganha estátua após 50 anos de morte – Mai/2015;
- Jornal Cruzeiro do Sul – Materia: Autor de "O Menino da Porteira" é de Itapetininga – Ago/2012;
- Blog – Boa Música Ricardinho – Artigo sobre Sérgio Reis – www.boamusicaricardinho.com.br;
- Blog – Recanto Caipira - http://www.recantocaipira.com.br;
- Fantástico – Quadro Bem Sertanejo apresentado por Michel Teló – Rede Globo – Nov/2014.
Gostei muito de saber da história toda, principalmente da generosidade do Teddy Vieira que cedia a parceria na composição para ajudar amigos que precisavam!! Deus o abençoe, aonde quer que esteja!!
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